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BIOGRAFIA HAROLDO DE CAMPOS

Haroldo Eurico Browne de Campos nasceu em 19 de agosto de 1929, e formou-se em
Direito pela Universidade de São Paulo. Lançou seu primeiro livro, O auto do possesso, em
1950; Dois anos depois, formou o grupo Noigandres com seu irmão Augusto de Campos e
Décio Pignatari, também estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Noigandres, palavra mencionada no décimo dos Cantos do poeta norte-americano Ezra
Pound, sem nenhum significado, criada apenas com a intenção de experimentação na
linguagem poética. Como criador do movimento que deu origem ao Concretismo em nível
internacional, o grupo Noigandres expôs sua produção poética no Museu de Arte Moderna de
São Paulo em 1956 e no Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, em 1957.
A primeira coletânea de sua obra poética, Xadrez de estrelas – Percurso textual (1949-
1974), publicada em 1976, contém sua produção inicial e concreta, além de uma amostra
significativa de Galáxias, obra em prosa poética, editada em sua versão definitiva em 1984.
Em seus livros de poesia posteriores (De Signantia: Quase Coelum – Signância: quase céu
(1979) até o póstumo Entremilênios de 2009) –, Haroldo de Campos apresenta uma escrita de
intertextualidade densa e complexa elaboração poética.
É impossível separar a produção poética de Haroldo de Campos de sua obra tradutória,
composta de uma vasta produção, desde Ezra Pound em Cantares até a Ilíada de Homero
traduzida diretamente do grego para o português. A singularidade do intelectual Haroldo de
Campos como tradutor não está apenas em seu amplo repertório linguístico, literário e
cultural, abarcando desde a tradução do livro dos Gêneses diretamente do hebraico, a tradução
da Ilíada de Homero diretamente do Grego para o português, poetas contemporâneos como
Octavio Paz, Giuseppi Ungaretti e Konstantinos Kaváfis, Dante Alighieri na sua Divina
Comédia, Goethe, a poesia clássica chinesa e o teatro Nô japonês, até a poesia moderna de
diversas línguas, mas também na sua teoria da atividade tradutória como “transcriação”,
apresentada em inúmeros ensaios e textos introdutórios de suas traduções, o que faz de
Haroldo de Campos uma referência mundial e singular na área que envolve a tradução
literária.
O enriquecedor intercâmbio cultural com intelectuais de todo o mundo como Umberto
Eco, Roman Jakobson, Tzvetan Todorov, Octavio Paz e Ezra Pound transparece em seus
textos voltados para o pensamento contemporâneo, junto ao seu interesse erudito em
desvendar o passado em suas fontes.
Em 2000, enquanto terminava sua tradução direta do grego para a Ilíada, o escritor
publicou A máquina do mundo repensada, com o objetivo de realizar uma crítica poética dos
grandes poetas Camões, Drummond, Dante, Mallarmé, entre outros, em paralelo à física.
No bojo da vastidão de sua obra poética, tradutória e ensaística, Haroldo de Campos
iniciou sua trajetória literária em 1950, publicando seu primeiro livro, Auto do possesso. Dois
anos depois, a partir da formação do grupo e da revista de mesmo nome, Noigandres, publica
o livro de poesia Servidão de passagem. Posteriormente foram publicados vários livros de
poesia: Xadrez de estrelas: percurso textual - 1949 -1974 (1976); Signantia: quasi
coelum/signância: quase céu (1979); A educação dos cinco sentidos (1985); Melhores
poemas de Haroldo de Campos [seleção e organização Inês Oseki-Dépré] (1992);
Finismundo: a última viagem (1990); Yugen: cuaderno japonês [poemas traduzidos por
Andrés Sáanches Robayna] (1993); Gatimanhas e felinuras [Haroldo de Campos e Guilherme
Mansur] (1994); Crisantempo: no espaço curvo nasce um (1998); A máquina do mundo
repensada (2000) e Entremilênios. [organização Carmen de Arruda Campos] (2009).
Como sua “proesia” (prosa poética), Haroldo de Campos publica em 1984 o livro
Galáxias, incluindo o CD Isto não é um livro de viagem [poemas declamados autor, com
participação do citarista Alberto Marsicano e supervisão técnica do poeta e compositor
Arnaldo Antunes].
Seu título: Galáxias, um referencial importante para a retomada do Barroco na
América Latina a partir dos anos 1960. "Fosforescências semânticas entre o branco do papel
e o negro das letras", conforme dizia Octavio Paz. Uma obra feita entre 1963 e 1976, mas só
lançada em 1984, dividida em 50 fragmentos, composta de um discurso quase ininterrupto,
sem pontuação e com letra sempre minúscula, interrompido apenas pelo branco do verso de
cada página.
Galáxias representa a convergência entre uma literatura brasileira e a literatura
universal, assim como foi seu trabalho teórico-crítico (A operação do texto; O arco-íris
branco; Metalinguagem & outras metas) e de tradução (que abrange autores como Dante e
Mallarmé).
Entre os ensaios publicados por Haroldo de Campos, encontram-se Revisão de
Sousândrade: textos críticos, antologia, glossário, biobibliografia. [Haroldo de Campos e
Augusto de Campos] (1964), Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950-
1960 [Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos] (1965), Sousândrade -
poesia [Haroldo de Campos e Augusto de Campos] (1966); Oswald de Andrade - trechos
escolhidos (1967), Metalinguagem: ensaios de teoria e crítica literária (1967); A arte no
horizonte do provável e outros ensaios (1969); Guimarães Rosa em três dimensões [Haroldo
de Campos, Pedro Xisto e Augusto de Campos] (1970); Morfologia do Macunaíma (1973); A
operação do texto (1976); Ideograma: lógica, poesia, linguagem [organização e ensaio
introdutório Haroldo de Campos] (1977); Ruptura dos gêneros na Literatura latino-
americana (1977); Deus e o diabo no Fausto de Goethe (1981); O sequestro do barroco na
formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos (1989); Aldir: geometrie
parlanti / geometrias falantes [Haroldo de Campos, Mario Trufelli e Aldir Mendes de Souza]
(1991); Metalinguagem e outras metas [edição revista e ampliada de 'Metalinguagem' – 1967]
(1992); Livro de Jó [introdução crítica e fixação do texto da tradução de Elói Ottoni] (1993);
Três (Re)inscrições para Severo Sarduy (1995); Sobre finismundo: a última viagem (1996); O
arco-íris branco: ensaios de literatura e cultura (1997); Os Sertões dos Campos: duas vezes
Euclides [Haroldo de Campos e Augusto de Campos] (1997); Joan Brossa i la poesia
concreta. in: catálogo da 'Mostra Joan Brossa o la revolta poètica', (org.). Manuel Guerreiro
Barcelona: Fundació Joan Miró, 2001; Depoimentos de Oficina [prefácio José Horácio de
Almeida Nascimento Costa] (2002); O segundo arco-íris branco (2010); Haroldo de Campos
- transcriação (coletânea de textos sobre a tradução literária) [organização Marcelo Tápia e
Thelma Médici Nóbrega] (2013); A ReOperação do texto. Haroldo de Campos [reedição
ampliada de 'A operação do texto' – 1976] (2013).
Diversas obras da autoria de Haroldo de Campos foram publicadas em alemão,
francês, húngaro, inglês, italiano, japonês e também em espanhol (Peru, Espanha, México,
Argentina e Uruguai).
Entre as inúmeras traduções e “transcriações” de Haroldo de Campos, podemos
destacar: Cantares de Ezra Pound [tradução Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo
de Campos; prefácio Haroldo de Campos] (1960); Panorama do Finnegans Wake, de James
Joyce [tradução Haroldo de Campos e Augusto de Campos] (1962); Maiakovski: poemas
[tradução Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Boris Schnaiderman] (1967); Poesia
russa moderna [tradução Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Boris Schnaiderman]
(1968); Antologia poética de Ezra Pound [tradução Décio Pignatari, Augusto de Campos,
Haroldo de Campos, José Lino Grünewald e Mário Faustino] (1968); Traduzir e trovar
[tradução Haroldo de Campos e Augusto de Campos] (1968); Dante: seis cantos do paraíso
[tradução Haroldo de Campos; ilustrações João Câmara] (1976); Mallarmé [tradução Décio
Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos] (1974); Transblanco: em torno a
blanco de Octávio Paz [tradução Haroldo de Campos em parceria com Octávio Paz] (1981);
Ezra Pound - Poesia [tradução Décio Pignatari, Augusto de Campos, Haroldo de Campos,
José Lino Grünewald e Mário Faustino; organização, introdução e notas de Augusto de
Campos; ensaio crítico de Haroldo de Campos] (1983); Qohélet - O-que- Sabe (Eclesiastes)
[tradução Haroldo de Campos em colaboração com Jacó Guinsburg] (1990); Bere'shith: a
cena de origem (Gênesis) [tradução Haroldo de Campos] (1993); Hagoromo de Zeami: o
charme sutil [tradução Haroldo de Campos com participação de Darcy Yasuco Kusano e Elsa
Taeko Doi] (1994); Mênis: a ira de Aquiles (Canto I da Ilíada de Homero) [tradução Haroldo
de Campos; ensaio de Trajano Vieira] (1994); Escrito sobre Jade: Poesia clássica chinesa
[tradução Haroldo de Campos] (1996); Pedra e luz na poesia de Dante [tradução Haroldo de
Campos] (1998); Os nomes e os navios (Canto II da Ilíada de Homero) [tradução e ensaio
crítico de Haroldo de Campos e tradução de Odorico Mendes; comentado por Trajano Vieira]
(1999); Ilíada de Homero. vol. I [tradução Haroldo de Campos; introdução e organização de
Trajano Vieira] (2001); Ilíada de Homero. vol. II [tradução Haroldo de Campos] (2002);
Ungaretti: daquela estrela à outra [tradução Haroldo de Campos e Aurora Bernardini]
(2002); Éden: Um tríptico bíblico [tradução Haroldo de Campos] (2004); Konstantinos
Kaváfis: poemas [organização Trajano Vieira; tradução Haroldo de Campos] (2012).
"Quanto às palavras e frases em outros idiomas – sempre de valor mântrico, “transmental”,
ainda quando não imediatamente alcançável no nível semântico – essas palavras e frases
são, via de regra, traduzidas ou glosadas no contexto, fluindo assim e confluindo para o
ritmo do todo". Haroldo de Campos, em "Galáxias. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 119.
"Então, para nós, tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela,
autônoma porém recíproca. Quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais
recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação. Numa tradução dessa
natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua
fisicalidade, sua materialidade mesma [...] O significado, o parâmetro semântico, será
apenas e tão-somente a baliza demarcatória do lugar da empresa recriadora. Está-se, pois no
avesso da chamada tradução literal." - Haroldo de Campos, em "Da transcriação poética e
semiótica da operação tradutora". Cadernos Viva Voz. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2011,
p. 34. Haroldo de Campos - Galáxias - "Isto não é um livro de viagem”. São Paulo: Ed. 34,
1992.
"Nessa “prosa-poema”, semeado de palavras-montagem, estruturado em segmentos rítmico-
prosáico, encontra-se, por assim dizer, a “pré-história” barroca da minha poesia. Em certo
sentido, retomei-o e radicalizei-o na escritura galática que elaborei posteriormente. Para
passar às Galáxias, no entanto, foram decisivos, por um lado, a idéia de “concreção”, de
“blocos semânticos” associados por súbito curto-circuito de significantes; por outro, o
exercício do “controle do acaso”". Haroldo de Campos, em "Galáxias". São Paulo: Editora 34,
2004, p. 270.
"Li e reli sua admirável tradução. Estou de fato comovido. Não só é muito fiel, mas, ainda,
por vezes, o texto em português é melhor e mais conciso do que o em espanhol. Você
conseguiu recriar não só o sentido do poema, mas também o movimento. Quanto ao
ritmo, que é o mais difícil de traduzir, o grande obstáculo com que nos defrontamos nós
todos, tradutores de poesia: até onde posso julgar, parece-me que você conseguiu
reproduzir a polimetria do original. Também é notável – outra proeza–que você tenha
encontrado as equivalências das aliterações, paronomásias e outros ecos verbais".
Octávio Paz, em 'trecho de carta a Haroldo de Campos'/ livro "Transblanco (em torno a
Blanco de Octavio Paz)".. [tradução Haroldo de Campos em parceria com Octávio Paz]. São
Paulo: Siciliano, 1994, p. 119.
"Na tradução de um poema, o essencial não é a reconstituição da mensagem, mas a
reconstituição do sistema de signos em que está incorporada esta mensagem, da informação
estética, não da informação meramente semântica". Haroldo de Campos, em "A arte no
horizonte do provável". São Paulo: Perspectiva, 1977, p. 100.

"A metáfora não é regida por uma lógica do “terceiro excluído”, mas é uma dissidência
camuflada dessa lógica (que se exaspera nas fases maneiristas e barroquistas da literatura), na
medida em que, mediante uma “relação de analogia” (katá to análogon), busca a similaridade
no dissimilar, produzindo a diferença a contrapelo, sob as espécies do mesmo". Haroldo de
Campos, em "Ideograma: lógica, poesia, linguagem". São Paulo: Edusp, 2000, p.86.

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